just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

31 outubro 2009

and so it is

um amigo foi brutalmente assassinado. não sabemos ainda como aconteceu. é chocante pensar que não o veremos mais. é chocante pensar que gente como a gente pode morrer de forma tão violenta. tudo choca e acho que é por isso que escrevo. como quando o avi faleceu e eu precisei escrever pra entender, processar, e me perdoar por estar tão longe da família naquela hora.

o fuku sempre foi um cara bacana. ele sempre tinha um sorriso, uma palavra gentil, e/ou montes de ajuda pra todos ao redor. é essa a memória que mais fica dele. de quem ele foi e de como eu o conheci. ele me inspirou pra tanta coisa! e agora ele existe só na nossa lembrança. me choca, ainda, mas é assim que é.

meu primeiro contato com a morte foi em 83. eu tinha 7 anos e o meu bisavô 90 a mais. ele era muito lúcido, bem brincalhão, e tinha uma saúde de ferro, mas morreu dormindo, uma noite, em araçatuba. minha mãe me explicou tudo com muita calma. ela disse que, assim como toda hora surgem novas pessoas no mundo, em forma de bebês, toda hora também há pessoas que se vão. não como a gente, que ia pro paraguai e voltava nas férias. não. ela falava de gente que ia embora pra sempre, que deixava o corpo aqui pra enterrarmos, e cujo espírito ia pro céu, que era o que tinha acontecido com o vô capella. oh well. ela fez tudo parecer tão natural que eu não lembro do resto: não lembro de ninguém chorando, não lembro das pessoas tristes, não lembro de nada que não seja a explicação da mãe, o vô capela muito branco deitado dentro do caixão, e a minha roupa mais bonita, com a qual fui ao velório e ao enterro.

as pessoas que se foram depois eram todas não próximas, e tudo pareceu tão natural quanto quando eu tinha sete anos, até que o avi morreu. eu estava em ithaca, super longe de tudo e de todos, incapaz de estar ao lado da iaia, que era quem eu mais queria abraçar naquela hora, por achar que ela precisava de todo o conforto que a família pudesse dar. o avi estava doente faz tempo, e antes de viajar eu disse um tchau caprichado pra ele, achando mesmo que podia ser a última vez que nos víamos. sem saber muito o que fazer depois da rê me avisar que o avi ia ser enterrado no dia seguinte, mas não querendo ficar sozinha, liguei pra priya que, mesmo já estando escuro, pegou um ônibus e foi me ver, me dar um abraço, me levar pra caminhar e tomar um ar fresco, e conversar um monte comigo, primeiro sobre o avi, e depois sobre outras coisas. quando ela voltou pra casa, eu estava mais leve. ela me deu exatamente aquilo de que eu mais precisava: um colo, do jeito dela, extremamente eficaz contra a minha solidão e a minha imensa dor -- não pelo avi, mas por não poder estar do lado da iaia.

aí ontem chegou a notícia do fuku. tão surreal, tão chocante, tão crua. como pode alguém querido ser assassinado de forma tão brutal? alguém bom, sabe? alguém essencialmente bom e que sempre foi gostado e que sempre era alegre e que sempre tratava todo mundo tão bem e que sempre se dedicava a ajudar as pessoas todas e que sempre se preocupava, genuinamente, com as pessoas mais próximas. eu me inspirei tanto no fuku, tantas vezes! ele sempre foi alguém que realmente prestava atenção. que realmente cuidava. que realmente queria bem. que realmente estava por perto. que realmente ajudava. e ele se foi, assim, sem aviso e de forma extremamente violenta.

tínhamos nos visto logo depois de eu voltar de vitória, porque ele queria me entregar um presentinho que tinha trazido de nova iorque. comemos dimsum naquele dia, tomamos blooming tea, e conversamos montes, como sempre. o fuku sempre foi uma companhia fácil e agradável. ele me trouxe um dos muitos melhores presentes que eu já ganhei dele, porque o fuku, sempre atencioso demais, sabia exatamente como agradar as pessoas queridas todas. na segunda desta semana, ele ligou, dizendo que estava com um amigo no ping pong e que por isso tinha lembrado de mim. pedi que ele tomasse um blooming tea por mim e comentei da gente se encontrar neste finde, mas ele ia viajar pra minas por conta do feriado, e deixamos então nosso encontro pré-marcado pra depois disso, assim que tivéssemos um tempinho livre.

além de admiração, tive também outros sentimentos em relação ao edu. o maior deles de incapacidade de retribuir tudo o que ele me proporcionou, de me doar como ele a um amigo, e de jamais poder ter dado o que ele mais quis, sempre, que eu pudesse dar. me senti assim por muito tempo, até uns 5 anos atrás, quando o marinho me convenceu de que eu fazia o meu melhor e que deveria aproveitar essa amizade e torná-la bacana, ao invés de ter mil ressentimentos em relação a alguém tão querido. uma vez tomada a decisão, fazer isso foi muito fácil, e nossa amizade teve então seus dias mais tranquilos e gostosos.

eu continuo tentando me inspirar nele. no cuidado, na atenção, e no se doar às pessoas que quero bem. desde ontem tenho pedido ao papai do céu que cuide dele, desse meu amigo tão especial e querido, pra que ele possa descansar e estar bem, se isso for possível.

o fuku sempre estará muito vivo na nossa memória, nas nossas lembranças, nas nossas conversas. tenho fotos, um livro feito por ele especialmente pra mim, e um chaveiro de madeira onde ele gravou o meu nome, aduriana, em japonês, muitos anos atrás, no ano em que nos conhecemos. o edu foi a primeira pessoa a me notar no início das aulas da faculdade, e uma das primeiras pessoas a falar comigo naquela época. tenho lembranças de caronas, de cinemas, de trabalhos, de estudos, de tantos momentos compartilhados nessa época de poli! depois, tenho lembranças de dor, por um tempo, até que voltamos a cultivar a nossa amizade, o que aconteceu a partir de 2001, muito por causa dos blogs que trouxeram toda uma nova turma de amigos em comum. tenho lembranças de sorrisos, de batalhas (o fuku sempre foi muito ativo e batalhador!), de agrados, de presentes, de conversas, de escritos aos montes, de compartilhar dificuldades, de discussões filosóficas.

fico grata por ele ter-se ido nessa época de paz nas nossas vidas, e não na época de dor, como quase aconteceu. fico grata por tê-lo conhecido, por ter desfrutado da sua companhia e da sua bondade, da sua amizade e do seu bem querer. fico grata porque aparentemente ele não sofreu antes de morrer. o edu sempre soube que a gente deve fazer sempre o nosso melhor, e que deve aproveitar cada momento da melhor maneira possível. fico grata por ele ter conseguido colocar isso em prática antes de ir.

obrigada, amigo querido, por tudo! que você encontre a paz que merece, sempre! nós, que ficamos aqui, vamos sentir saudades, sempre! espero que consigamos, cada um do seu jeito, conseguir o que você sempre fez: aproveitar a vida e tudo o que ela nos traz, cuidando de nós mesmos e daqueles ao nosso redor.