Diário de Viagem
Centro velho, bairros chiques
Passeamos pela Rambla todos os dias, mas não compramos quase nada. Basicamente, adesivos de carro listrados em vermelho e amarelo com a sigla C (de Catalunya), para distribuir para os parentes no Brasil. Mais para o fim da Rambla fica o restaurante Amaya, que fotografei por razões pessoais (mas não entramos lá, porque tinha pinta de caro demais) e, por fim, o Museu de Cera; um casarão repartido em salas temáticas com esculturas de personalidades - algumas muito realistas, outras nem de longe, o maior destaque são os figurinos de época - e iluminação e música de fundo que dão um ar exageradamente circense. Ainda no início da visita, eu tentava fotografar as estátuas - sem sucesso, devido à pouca luz -, quando o sistema de som avisou que não eram permitidas fotos. Guardei a máquina na hora. Chegando à infalível lojinha de lembranças, a mulher no balcão nos deu uma dura: "...caso queriam levar uma lembrança do museu, temos este livro, que custa XX euros... Não são permitidas fotos no museu. Mas vocês fizeram fotos. Eu tenho ordens de reter os filmes ou mandar apagar as imagens." E com isso, ficou satisfeita e nem pediu para olhar nossa máquina. Não tentamos retrucar. Mas fomos embora putos, já que não havia nenhum aviso sobre fotos na entrada do museu. Claro que não compramos lembrança alguma.
No outro dia, vimos a antiga Catedral em reforma, mas não entramos, pois era preciso pagar. E se eu quisesse somente rezar, teria de pagar, também? Chato.
Ali perto fica o Palau de la Generalitat, sede do governo autônomo catalão, e vimos as primeiras bandeiras a meio-pau e aglomerações de estudantes que se preparavam para fazer algum manifesto. Logo depois, soubemos do atentado em Madrid. No dia seguinte, praticamente todo o comércio da cidade, fosse grande ou pequeno, fechou antecipadamente. Os catalães se solidarizaram em massa com a passeata no centro e penduraram bandeiras catalãs e espanholas com fitas pretas por toda a cidade.
Não pudemos visitar o castelo de Montjuïc nem a colina do Tibidabo, pois os teleféricos respectivos estavam fechados. Mas a Fundació Joan Miró, em Montjuïc, é agradavelmente vizinha ao funicular moderníssimo que sobe o morro em linha reta desde o fundo da terra, a partir de uma estação do metrô. No Tibidabo, percorremos a pé a chiquérrima avenida de mesmo nome, cheia de mansões hipermilionárias do início do século 20 - algo similar ao que deve ter sido a Avenida Paulista antes da invasão dos edifícios.
Pelo lado do mar, contornamos a estátua de Colombo e atravessamos a modernosa ponte móvel até Port Vell (Porto Velho), que tem uma marina, um shopping center e um aquário. E cinemas, também. Drídri queria muito ver um filme, e desistiu quando descobrimos que eram todos dublados em castelhano. Optamos pelo IMAX, o cinema especial com tela megaultragigante. Os filmes não eram tudo aquilo, mas a tela... Vimos um filme sobre a vida selvagem na Austrália, de literalmente encher os olhos, e depois o documentário em 3D sobre os destroços do Titanic, por James Cameron. Dublado em catalão!
Onde estamos, mesmo?
No Mercat de la Boqueria começamos a busca pelos tradicionais turrons artesanais de Xixona. Ninguém no comércio "moderno" - lojas de departamentos, bancas de jornais etc. - sabia informar onde encontrar esses doces tradicionais de Natal. Mas bastou entrar um pouco no Barri Gòtic (centro antigo) e surgiram várias lojas de turrons! A mesma coisa aconteceu com outro item típico catalão, um bonequinho sugestivamente chamado "caganer", tradicional personagem dos presépios de Natal (pessebres) catalães. Pois as pessoas no comércio não tinham a menor idéia do que era. Nem mesmo o dono da loja onde finalmente o encontramos sabia que ele existia. Isso me deu a impressão de que o pessoal da metrópole não tem contato suficiente com as próprias raízes. Pode chegar o dia em que não saibam mais o que é "sardana"...!
Além disso, o catalão que se fala hoje em Barcelona é estranho até para meus ouvidos de forasteiro - que até oito meses atrás não conhecia nenhuma palavra do idioma (além de "avinguda" e "capicua"). A família da Drídri fala o catalão da época da Guerra Civil, que é o que eu aprendi até agora, e há diferenças de pronúncia e vocabulário para a versão atual. Os mais jovens dão a impressão de falar em castelhano, com a mesma cadência e sonoridade, o que resulta bem estranho, pois o catalão possui mais vogais, diferenciando entre abertas e fechadas como o português. No vocabulário, há a substituição de "auto" por "cotxe" e outros detalhes.
No geral, toda a comunicação pública e a maioria dos letreiros de lojas são em catalão, ou em catalão junto com o equivalente em castelhano, o que fica curioso, devido à semelhança das duas línguas. Muitas pessoas no comércio são bilíngues e atendem no idioma que o cliente escolher. Há pouca coisa em inglês.
Chicken or cheese?
Sábado de madrugada, pegamos o táxi até o aeroporto, que fica a sudeste da cidade. A paisagem é ironicamente similar à do trecho final do caminho para o Aeroporto de Guarulhos. O mesmo tipo de prédio industrial, o mesmo tipo de estrada.
Chegamos cedo demais; o aeroporto estava quase vazio. Entramos na fila de check-in e a moça reclamou que não estávamos listados, o que foi resolvido rapidamente no guichê de passagens, mas tivemos que pegar a fila de novo, atrás de umas 100 pessoas.
Depois disso, tudo foi tranquilo até Amsterdam, onde fizemos a conexão direto, como na ida. A Drídri aproveitou para cochilar. Eu também, porque não dava para enxergar nada da janela do avião, a não ser nuvens. Isso foi bem diferente no avião de Amsterdam para Guarulhos, pois deu para acompanhar panoramas da Holanda, do litoral sul da Inglaterra, da Bretanha francesa e da Galícia, pertinho de Portugal. E depois, o Brasil desde a costa do Ceará até Minas, passando pela Bahia. Infelizmente, as fotos feitas do avião em alta altitude sempre ficam péssimas. A Drídri mais uma vez aproveitou para cochilar...
Como sentamos em assentos normais desta vez, fizemos as refeições junto com todo mundo ("Chicken or cheese?") e pudemos assistir aos filmes, mas... francamente, deitar naquele banco tosco da tripulação (como fizemos na ida para Amsterdam) foi bem mais divertido!
Na hora do desembarque, mais aborrecimento com a Polícia Federal, que estava de circo armado - no mau sentido - novamente. Todos os passageiros, brasileiros ou não, foram postos numa fila única para uma "verificação de passaportes" inútil, e que que não andava. Quase mais uma hora perdida...
Voltamos a casa de táxi, percorrendo um bom trecho da detestável marginal do Tietê, e para mim esse foi o momento mais melancólico, pois mesmo com a saudade do lar e a expectativa, ainda estavam muito frescas as imagens, sabores, aromas e sons diferentes e especiais dessa semana maravilhosa de curtição pura com a minha amada do outro lado do mundo (OK, nem tanto). Só conseguia fantasiar sobre a nossa próxima viagem, quando seria e que locais visitaríamos... E de fato, durante toda esta semana após o retorno, tenho sonhado - todas as noites - que estou junto com minha Drídri em algum canto inédito do Velho Continente.
Chegando em casa, fomos pra cama e só no dia seguinte, domingo, fomos buscar as três "mientas" - o que em si já foi uma aventura, mas isso já é melhor deixar pra outro post...
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