just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

17 janeiro 2002

Parte II –Nosso segundo destino: Ecuador
No começo de 84 meus pais se entenderam, e fomos todos morar no Equador, onde a empresa estava abrindo uma filial. Deixei meus avós, meus amigos e o Português pra trás. Meu pai acabou coordenando a montagem de todo o departamento de inspeção, enquanto nós ficávamos três meses e meio num hotel cinco estrelas maravilhoso (tinha até um shopping dentro, e no começo nos divertimos muito, mas no final só comíamos pipoca no almoço, de tão enjoativa que era a comida!), onde vimos muitos filmes na TV. Nos mudamos para uma casa feia, mas confortável, onde eventualmente apareciam iguanas no jardim. A cidade onde moramos, Guayaquil, era muito suja e feia e fedida, com toda aquela cara de cidade portuária. Detestei morar lá, porque não íamos à escola, e os dias eram tediosos, sempre dentro de casa, sem ter o que fazer (a programação da TV só começa ao meio-dia!). Começamos a estudar por correspondência, numa escola brasileira, e eu sentia falta de conhecer gente, de conviver com outras pessoas que não somente os meus pais, essas coisas. Era fogo aprendermos só através de apostilas e podendo colar nas provas. E era fogo não sairmos de casa nem pra ir pra escola. Fizemos natação e balé, mas eram só duas vezes por semana... Até hoje sonho com as minhas sapatilhas de ponta, e adoro nadar! As coisas boas do Ecuador se resumem às compras no supermercado (que eu adorava), às viagens à Quito, que eram legais, aos alfajores MARAVILHOSOS que os equatorianos fazem como ninguém, à casinha da Barbie que ganhei, às idas ocasionais à praia, ao sorvete de chocolate com morango que nunca comi igual (no lugar tinha uma pizza de presunto e queijo também inigualável – guardo os gostos das coisas comigo pra sempre, e muitas vezes dá saudade, principalmente quando experimento algo cujo sabor se aproxima ao que lembro) e só. Nossa casa era escura, nós não tínhamos nada para fazer, e as minhas lembranças dessa época são de tédio e mais tédio e mais tédio. Lembro também dos muitos sonhos que eu tinha, alguns dos quais são recorrentes até hoje. Inventei toda uma horda de amigos imaginários (diz a tia Cleide que foi um recurso que minha mente utilizou pra tapear a solidão), e tinha os maiores sonhos e aventuras com eles (!), mas os sonhos que ainda tenho são de castelos, homens, e um vestido amarelo. Lembro das brincadeiras que inventávamos, a Rê e eu. Uma consistia em separarmos coisas legais que não queríamos mais, pra darmos pra outra. Só que funcionava de um jeito especial... a gente pegava um balde e amarrava numa corda. A pessoa que iria receber os presentes ficava no andar de baixo, e a pessoa que iria dá-los ficava na janela, no andar de cima, descendo as coisas uma por uma. It was fun. Outra brincadeira consistia em cobrirmos nossas escrivaninhas com lençóis, fazendo cabanas embaixo delas. A Rê e eu tínhamos uma gatona de bolinhas cada uma, e a fazíamos de ‘tapete’ pra escorregarmos pelo chão da sala. Minha mania de organizar as coisas começou aqui, no Ecuador, porque vivíamos inventando coisas pra fazer pra matar aquele tédio absurdo, e uma das coisas legais que minha mãe me ensinou foi que eu podia arrumar as minhas coisas. Outras coisas de que me lembro incluem um aparelho de telefone inusitado (o dial ficava na base, e o telefone consistia só de uma peça, uma coisa bem diferente), as amigas bandeirantes da minha mãe, a Jessica (única criança que frequentava a nossa casa na época, irmã de uma das amigas da mamis), os alunos que vinham fazer aulas de português em casa (foi a primeira incursão da minha mãe no ensino de línguas), e as pamonhas salgadas (éca! detestei e continuo sem gostar) que uma das alunas fazia de vez em quando.