just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

13 fevereiro 2002

E lá vai o último capítulo escrito daquela história que parecia não acabar nunca. O resto, como eu digo depois, fica pra outra hora... ... ...
Parte XII – Acabam-se as mudanças
Chegamos em Sampa e, como sempre, fomos pra casa da iaia (minha avó paterna). No dia seguinte fomos visitar o nosso apartamento recém-adquirido (no qual eu só havia estado uma vez!), que estava lindo (a empregada da minha avó, na época a Celina, tinha dado uma faxina geral antes da gente chegar, e tudo estava cheiroso!). Meu pai veio passar uns dias aqui conosco, e compramos o básico da casa: camas, geladeira, fogão, essas coisas. Os armários já estavam todos colocados. Fomos passar as férias em Araçatuba, e no meio delas descobrimos que era verdade, e não boato, a história da escola da vila ser fechada. Ficamos radiantes. Era bom não precisar ficar lá, sabe? O Gu estava aqui e esse era um dos principais motivos pelos quais eu não queria ir embora nunca mais. Outro era a liberdade. Deixamos a minha vó em Araçatuba, e fomos pra nossa casa, comprar o resto dos móveis, arrumar tudo (a Celina acabou sendo nossa empregada, e minha avó encontrou outra, como ela queria), encontrar novas escolas pra gente... Foi uma correria, mas muito gostosa. Comigo em Sampa, o Gu ficava mais perto, e eu tinha a desculpa de precisar terminar meu tratamento ortodôntico, que me fazia viajar pra Araçatuba a cada quinze dias. Enquanto isso, meu pai continuava em Angola, em meio à guerra civil, dormindo num barco (que poderia zarpar a qualquer momento caso a situação do país se tornasse insuportável), com duas equipes de guarda-costas, rotinas diferentes todos os dias, mini metralhadora na cama, e toda aquela paranóia que ele fica quando a situação tá perigosa. Minha mãe, preocupadíssima, foi se acostumando com a situação conforme o tempo ia passando. Cada uma de nós escolheu onde queria estudar, e cada uma ficou em uma escola diferente. Terminei o segundo ano e fiz o terceiro no São Luís. Senti a mudança que Angola tinha provocado em mim: eu era uma adolescente tímida até dizer chega, acostumada a ver somente as mesmas pessoas, desacostumada a ter que interagir com gente desconhecida. Minha sala no colégio tinha 50 alunos, onde só 6 eram meninas (sala de exatas, sabe como é?). Foi uma época de adaptação difícil, principalmente nos primeiros meses. O pessoal da escola levou um choque quando apareci na sala, porque eles haviam sido informados de que, excepcionalmente, iria entrar uma aluna nova no meio do ano (sem fazer o vestibulinho do colégio, olha só que sacrilégio!), porque ela estava vindo de Angola. Enquanto o pessoal esperava uma negona de roupas coloridas e osso na cabeça, cheguei eu, super branca e pequenininha, de blusa rosa e cabelo curto, com cara de tudo menos de angolana, e tímida a ponto de sair correndo da sala de vergonha dos meninos fazendo a maior algazarra (tudo era motivo de festa no colégio católico, mas eu não só não sabia disso como não estava acostumada a gente desconhecida). Fui pro primeiro dia de aula morrendo de medo, mas foi tudo bem, e, no final das contas, depois fiz ótimos amigos no colégio (como a Ju, o Rojão, o Mário, a Aline, a Thaís, o Dalê, e muitos outros), e a vida passou a ficar muito melhor. Emagreci nove quilos nesse ano e meio de colegial em São Paulo, chegando a pesar 39 quilos. Eu não sentia falta de comer, e estava estressada no terceiro colegial, quando o vestibular se aproximava. Eu usava sapatinhos de bolinhas embaixo, comia muito chocolate (foi nessa época que o vício começou), estudava um pouco demais, ia pra Araçatuba a cada quinze dias pra matar a saudade do amor, e tudo estava muito bem. Fiz um mês de cursinho, mas achei que não valia a pena, porque o que eu já sabia e os professores passavam, eu já sabia e não precisava estudar, enquanto o que eu não sabia não era explicado suficientemente a ponto de que eu pudesse aprender. Resolvi fazer minha própria revisão pro vestibular, vendo toda a matéria do colégio em quinze dias, e acho que foi isso que me salvou. Devo à minha mãe tudo isso, porque ela, no final do ano, ficou nervosa e gritou comigo dizendo que não me via estudar e que assim eu não iria passar nas provas. Fiquei com medo, fiz a revisão, e passei. Nossa... comemoramos até não poder dizer mais. Todo mundo sempre me achou muito inteligente, mas eu sei que na verdade sempre fui muito esforçada e estudiosa, e morria de medo de não passar no vestibular, afinal de contas tem mil coisas que nunca estudei, por causa do troca-troca escolar que vivi em toda a minha vida. Foi um alívio passar. O Gu, que estava prestando junto comigo, não passou, e veio pra Sampa fazer cursinho. Podia coisa melhor? A gente não tinha condições de morar junto, mas pelo menos estava morando na mesma cidade! E assim começava o resto de nossas vidas... Posso escrever sobre isso uma outra hora?