just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

06 fevereiro 2002

Parte XI – Mais Angola
Chegamos. Era agosto de 91 e eu estava triste. Chorava muito, quase toda noite, e sentia que se fosse possível morrer de saudade, eu morreria. O Gu me fazia falta demais, e o lugar onde estávamos não ajudava em nada. A parte boa foi rever a Cris e os outros amigos. As aulas eram uma coisa boa, e eu comecei a dar aulas pra classe inteira antes das provas, e foi uma época que seria boa se não fosse o Gu não estar lá. O alívio é que através da Cris eu recebia cartas do Gu toda semana (pelos malotes da Odebrecht – os funcionários que moravam em Angola recebiam correspondência toda semana, desde que esta fosse enviada a um endereço no Rio de Janeiro). Eram cartas enormes, e maravilhosas. Eu também escrevia muito, e assim íamos fazendo de conta que matávamos a saudade. Logo, além das cartas trocávamos fitas faladas e fotos (o Gu deixou o cabelo crescer nessa época!!!). E assim íamos levando. Desta vez, foi inaugurado em Angola um hotel cinco estrelas Meridien (que se estivesse em qualquer outro lugar do mundo seria no máximo um dois estrelas), e um restaurante que custava os olhos da cara e era aberto somente a pessoas do governo ou por ele indicadas. Os camarões ali foram os maiores e mais deliciosos que já comi. Visitávamos o escritório do meu pai todo final de semana (depois do almoço de sábado), porque lá tinha uma linha telefônica do governo de onde geralmente conseguíamos fazer ligações. O escritório ficava no sétimo andar de um prédio cujo elevador não funcionava, e era a ginástica semanal essa escalada que nos levava pra mais perto do Brasil. Aos domingos, continuávamos indo pro Mussulo, e aquele mar lindo me dava ainda mais vontade de que o Gu estivesse ali. A Cris e eu estudávamos, passeávamos pela vila, chorávamos e ríamos juntas. Foi nessa época que o Franço (um carioca muito bacana) foi morar em Angola, e acabamos ficando bem amigos. Ele me deu colo, e eu estava carente sem o Gu, e a gente acabou ficando junto, e eu assim, meio que com dois namorados, fui levando a vida. O Franço sabia do Gu, e o ‘vice-versa’ acabou acontecendo quando fui passar as férias do final do ano e tive que contar tudo. A verdade? Eu gostava muito do Gu, mas estava triste demais sem ele. O Franço é um cara muito nota mil que me deu um colinho e fez com que eu pudesse suportar melhor a saudade. Nas férias de final de ano o Gu tb me traiu, e depois disso voltamos a ficar muito, muito bem. Apaixonados. Foi uma grande história de amor, a nossa, se vc quer saber. Foi nessa vinda ao Brasil que decidi cortar minha juba – passei de cabelo na cintura para joãozinho, o que foi primeiro um choque, e depois uma maravilha. Fui elogiadíssima, até por pessoas que não me conheciam e não sabiam como eu era antes, que diziam que meu cabelo estava perfeito. Foram nessas férias também que meus pais conseguiram realizar o sonho da casa própria, comprando um apê em São Paulo, este onde hoje moro. O apartamento era horrível, mas minha mãe acertou ao dizer em que ficaria ótimo quando reformado. Enquanto passávamos mais um semestre longe do país, meus avós e tios se encarregaram de cuidar do final da reforma... Quando voltei pra Angola o Franço era só um amigo, e assim continua até hoje. Essa volta pra Luanda, aliás, foi a mais dolorosa. Chorei ainda mais que da outra vez, com saudades do Gu. A Cris também estava triste com o amor dela, e passávamos horas conversando sobre isso. Minha prima veio morar com a gente nessa época, porque a mãe dela morrera de câncer e o pai dela casou com uma mulher que simplesmente não a aceitava. Foi ruim, porque ela roubou nosso espaço (minha mãe, que sempre respeitou a individualidade de cada filha, passou a tratar todo mundo de maneira igual, o que foi um choque, não somente porque nós duas somos muito diferentes (e éramos tratadas de acordo), mas também porque a Lu se mostrou completamente diferente da gente, em tudo o que se possa imaginar), foi muito galinha na escola (o que gerou olhares de reprovação à nossa família na sociedade pequena que era a vila), ia mal no colégio, e era chata mesmo, oras. Era diferente da gente e muito chata. Até hoje quando a gente se encontra, fico espantada em como uma pessoa pode ser tão desinteressante daquele jeito (que maldade a minha, saco! Mas é verdade e tenho que admitir, oras! Meu alívio é acreditar que realmente tem gosto pra tudo, e que tem gente que deve achar a Lu a pessoa mais legal do mundo!). O lado bom foi que, a partir disso, a Rê e eu, que nem éramos muito amigas, passamos a sê-lo. Conversávamos mais, e nos ajudávamos mais. Meio que nos unimos para ‘combater o mal’ (representado pela prima Lu). E o resto das coisas continuava do mesmo jeito. Amigos legais, falta do Gu, muita música e muitos livros na minha vida (desta vez eu tinha trazido uma fita do nirvana do Brasil pra Luanda, além de várias outras com música pop e dance), esperas ansiosas pelos malotes que traziam as cartas do meu amor, praia todo final de semana, e aquela coisa louca de contar, dia após dia, quanto tempo faltava para as férias. Sabe o que é passar a sua vida pensando nas férias? Foram anos cujo objetivo maior (tanto meu quanto da Rê) era voltar pras férias no Brasil, onde a vida era vida de verdade, onde podíamos andar e brincar e correr na rua, onde a cidade não era suja nem fedida, e onde não havia guardas armados com metralhadora em cada esquina. Todas as coisas boas que tínhamos em Angola jamais compensaram um beijo sequer do Gu, ou um dia sequer de liberdade. E quais eram as coisas boas de Angola? As pessoas, em primeiríssimo lugar. Os amigos e colegas, os professores, o pessoal da vila era muito legal. As coisas que comprávamos no supermercado eram boas (francesas, italianas, belgas, alemãs, tudo gostoso, cheiroso, de altíssima qualidade, muitas coisas que ainda não víamos no Brasil) e em grande quantidade (consumíamos em quatro pessoas, por exemplo, quinze litros de sorvete por semana, um quilo e meio de cream cheese, dois quilos de bolachas, quatro caixas de coca-cola, e assim vai). Tínhamos carros fantásticos (a gente não achava, porque nunca ligamos pra isso, mas meu pai adorava, e todo mundo ficava meio impressionado com os carros que incluíam uma mercedes, um volvo e um peugeot), motoristas que nos levavam de um lado para o outro (leia-se de casa para a vila e da vila para casa, além de casa pro super e do super para casa) e uma lancha que nos levava ao paraíso que é o Mussulo. Algo muito presente que eu tinha em abundância e que não tinha o menor significado/valor na época era tempo. Tínhamos tempo pra tudo, porque tínhamos muito pouco para fazer. Por isso, dava pra curtir os livros e as músicas e as conversas em família, os passeios de lancha, as aulas e os deveres, o sono, os filmes... Angola estava meio estremecida no final desse semestre em que eu estava cursando o segundo colegial, e fomos embora num clima meio estranho. Havia boatos de que a escola iria fechar, por causa da situação política do país. Voltamos felizes e contentes para o Brasil...