just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

30 janeiro 2002

Parte IX – Segundo ano em Angola – e uma boa surpresa
Em 90, nossa chegada ao aeroporto angolano já era uma coisa normal. Nada mais incomodava, nem o cheiro, nem a imundície, nem o calor. Tínhamos nos acostumado, já, com aquilo, e sabíamos que, por um lado, era inevitável, e por outro, iria terminar logo. As aulas começavam no dia seguinte, e eu estava na maior expectativa ‘amorosa’. Será que o Rê e eu iríamos continuar juntos? Continuamos, e foi legal. Ele estudava na mesma sala que eu, apesar de ser dois anos mais velho. Foi meu primeiro namorado, ou talvez segundo, porque eu tinha namorado um carinha (o Edu) araçatubense nos três meses de férias de verão. Mudamos do apartamento no prédio-favela pra uma casa, e foi ÓTIMO! A casa era grande, bonita, e não tinha aquele aspecto favela. Tínhamos ratos no andar de baixo, e baratas também, mas as grades nas janelas não eram tão opressivas, a casa era clara e iluminada, escolhemos móveis novos (por catálogo, e tudo veio da França, com um frete absurdo e com toda um cuidado especial para que as coisas realmente chegassem sem se perder pelo caminho, porque em Angola tudo some sem que ninguém saiba como), e tínhamos vizinhos respeitáveis (um casal de italianos de um lado e uma família do governo angolano do outro lado, apesar dos cortiços na frente). Eu tinha trazido algumas fitas de música do Brasil, e além de ler e escrever muito, eu ouvia música quase que 12 horas por dia. Viciei, mesmo. E era fã da Legião Urbana. O lindo pôr do sol de Angola, só fui descobrir depois que nos mudamos pra casa. Dava pra ver da janela, e era simplesmente deslumbrante. Lindo mesmo. Alimentava a minha alma, e acredito que devia também alimentar a alma daquele povo tão sofrido, pois se não disso, do que viviam eles? Mais acostumados a tudo, já não sofríamos com a sujeira das ruas e com o sofrimento das pessoas. Estávamos completamente ‘numb’ praquilo tudo. Entorpecidos, mesmo. Já não enxergávamos nada que não fosse bom. É um jeito de sobreviver mais alegremente, sabe? Você se fecha pras coisas ruins ao teu redor e pronto! É claro que não funciona assim, mas... acho que a gente vai mesmo ficando anestesiado, e acho que deve mesmo ser um procedimento de defesa natural do ser humano. Na casa, tínhamos um gerador que provia luz pra nós e pra metade do quarteirão. Além disso, tínhamos muitas caixas d’água, com capacidade pra muitos mil litros de água. Nossos telefonemas para o Brasil se tornaram semanais, porque meu pai descobriu um outro cara que trabalhava na companhia de telefones que, pelo mesmo ‘preço’ (duas caixas de cerveja) que a outra moça cobrava, nos dava direito a uma ligação semanal. É claro que acordávamos às 3 da madruga com o telefone tocando e o cara perguntando se queríamos telefonar, mas beleza. Afinal de contas, se lá eram 3 da manhã, aqui eram 7, e meus avós já estavam acordados. A vida era melhor, sem tantas provações, e quando meu pai comprou uma lancha, passamos a ir à praia todo final de semana. A marina ficava na cidade de Luanda, e íamos com a lancha até uma ilha próxima (o Mussulo), que era bem comprida e muito fininha (dava pra atravessar de um lado ao outro a pé), e tinha um mar DIVINO do lado que dava para o oceano. Geralmente só tínhamos nós na ilha, o que era gostoso, pois podíamos fazer o que quiséssemos lá. Aulas de segunda a sábado e praia no domingo nos deixava cansadas. Mas valia a pena. Tínhamos aulas aos sábados para podermos ter mais dias de férias no Brasil, e o mar... o mar era nossa única diversão. Levávamos alguns amigos com a gente, esquiávamos na água, nadávamos, tomávamos sol, relaxávamos... os domingos eram a nossa cota de ‘vida boa’. Foi nesse ano que a Cris foi pra Angola, e ficou sendo minha best friend ever. A gente passou por muita coisa ruim e boa juntas, trocamos de agendas, inventamos um código em comum, choramos, rimos, estudamos, conversamos, fomos à praia, ao clube, às poucas festas, etecetera e tal. Morro de saudades dela! Contávamos juntas os dias pra irmos pro Brasil, e quando o dia chegou, ficamos tristes de estarmos nos separando. As férias do meio do ano foram, pra variar, maravilhosas, e durante elas tivemos uma notícia inacreditável e esplêndida (sob o nosso ponto de vista, no qual só interessava ficarmos no Brasil): Angola estava entrando num momento difícil: guerra civil light, perseguições políticas, essas coisas, e por isso ficaríamos em Araçatuba. Ôba! Fomos matriculadas numa escola perto da casa da minha avó, e essa foi uma das melhores épocas da minha vida.