just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

24 janeiro 2002

Parte VII – Pausa
Começou 89 e voltamos para passar uns dias no Brasil. Ficamos nem duas semanas, e voltamos mesmo porque eu tinha compromissos – ia prum acampamento de bandeirantes no Chile, que reuniu mais de 15.000 escoteiros e bandeirantes de toda a América. Claro que foi só uma desculpa pra sair de Angola um pouco! Estávamos todos muito deprimidos, e minha mãe achou que já tínhamos passado as ‘festas’ com meu pai, e que merecíamos passar uns tempos longe. Minhas lembranças do acampamento são milhares, e tirando o frio, não houve mais nada de ruim. Cantamos, nos divertimos, passeamos, conhecemos. Comi empanadas muito parecidas com as paraguaias, marzipan até dizer chega (eu adoro esses docinhos de marzipan, que aqui custam uma pequena fortuna e que em Santiago custavam menos que uma lata de coca-cola). Lembro do frio, dos passeios por Santiago, Valparaiso e Viña del Mar, do mar gelado apesar do calor que fez num dia ensolarado, do pessoal dançando cueca, e do acampamento em si: música, shows, tarefas, montagem, amigos, fogueiras, violão, pão chileno que mais parecia uma panqueca grossona, nós diferentes, vida, alegria, paz. Foi muito legal ter ido pro JamPan, ainda mais depois de passar um tempo tão ruim em Luanda. Foi lá que conheci o Jens e a Kathy, com quem me correspondo até hoje. Foi lá também que dei meu primeiro beijo de língua, num cara que não vi nunca mais, e com quem nunca consegui entrar em contato depois. Foi lá que andamos muito de trem, que comemos muita laranja, que quase não dormimos e que tomamos banho com a água proveniente do degelo de montanhas próximas (que frio!). Mas, como tudo tem um final, o JamPan também acabou, e depois de passearmos por mais dois dias em Santiago, voltamos pra Sampa, todas tão capotadas que nem lembro de nada dessa volta. Minha mãe me esperava no aeroporto junto com a Rê e com uma notícia legal: meu pai estava em Portugal, e iríamos pra lá passar uns dias. Viva! Eu nunca tinha ido prasoropa! Refiz minhas malas, e lá fomos nós, para Lisboa. Ficamos num hotel fantástico, onde tomávamos café da manhã na cama quase todos os dias (isso, pra mim, é o cúmulo da vida boa, diga-se de passagem). Conhecemos todas as 452 igrejas de Lisboa e das cidades vizinhas, que também conhecemos todas. Passamos muitos dias no hotel, vendo TV, lendo e conversando. Comprei minha primeira fita do U2, depois de decidir que aqueles clipes da TV portuguesa eram demais, e que o grupo devia mesmo ser muito bom. Comíamos castanha portuguesa torrada na rua (delícia!), e íamos passear no shopping. Vimos ‘Crocodilo Dundee’ no cinema, e levei o maior susto quando o filme parou na metade! Eu não sabia que era costume, em Portugal, dar um intervalo de 15 minutos no meio do filme. Aliás, ótima estratégia de marketing dos cinemas, essa! Lembro muito dos meus pais e dos passeios que fizemos, e do saco cheio que a Rê e eu ficamos de tanto visitar igrejas e monumentos! Tiramos passaportes novos, porque nos velhos não tinha mais lugar pra carimbar e colocar os vistos. Estou muito sorridente nessa foto que foi parar no passaporte, e isso foi reflexo de toda aquela coisa boa que estávamos vivendo. Uma vida boa... eu nem lembrava mais que Angola existia, ou pelo menos tentava não conseguir mais lembrar. Aproveitamos que a Espanha estava tão pertinho, e decidimos passar 3 dias em Barcelona, quando conheci a cidade dos meus avós paternos. Tomamos orchata (uma bebida docinha à base de arroz), comemos o autêntico pá amb pernil, a crema cremada de verdade, uma paella que não era tão boa quanto o arroz a la caçola da iaia, e passeamos muito. Meus pés doíam. O mais engraçado foi ver o Batman e o Robin falando catalão na TV! Inesquecível! Muito engraçado foi ver todo mundo falando catalão na rua! Não podíamos falar os segredos em catalão (que é o que geralmente fazemos em família), porque ali todo mundo entenderia muito bem o que quer que falássemos. E outra coisa boa foi a acolhida dos catalães! Eles são, normalmente, um povo super hospitaleiro, mas precisa ver o sorriso que eles abriam quando viam a gente se esforçando pra falar a língua deles! Todos concordavam que a gente falava um catalão arcaico, lógico, mas era muito legal! Voltamos pra Lisboa, e logo depois pro Brasil. Menos de uma semana depois, refizemos as malas... nossas aulas em Luanda iriam começar. Foi a primeira vez, depois de muito tempo (4 anos), que voltamos a assistir aulas de verdade. Paramos o curso por correspondência, porque em Angola existia uma escola brasileira, um pouco afastada da cidade, que atendia os filhos dos trabalhadores de Furnas, Odebrecht e Andrade-Gutierrez, empresas que estavam construindo uma represa no país e montaram uma vila (chamada de Gamek, ou simplesmente Vila dos Brasileiros’) com toda a infra-estrutura para atender seus trabalhadores e famílias (casas, luz e água sempre disponíveis, supermercado no qual não podíamos entrar, clube, escola, praças, árvores, playground, vídeolocadora (de fitas piratas!), etecetera e tal. Continua... ... ...