Diário de viagem
No topo da Europa
Drídri, que é muito mais frienta que eu e facilmente impressionável por termômetros de um dígito, suportou bravamente o frio de Berna, com a ajuda de uma roupa mais pesada que a dos suíços. Demos mais um passeio a pé sem rumo pela cidade depois do checkout do hotel, esperando a chegada de Erich para nos pegar de carro e levar para Bettmeralp, junto com Tatá, a mãe dele e Léo.
Não sabíamos bem o que esperar desse desvio na viagem, então foi aventura constante. Erich e Tatá disseram que teríamos "a experiência da nossa vida" e depois ficaram caladinhos para não estragar nossa surpresa. Eu sabia que iríamos para uma vila nas montanhas... e só. A Drídri tremia só de pensar na perspectiva de enfrentar a neve...
Erich pegou uma autobahn e rumou decididamente para o sul. À medida que o carro avançava, a paisagem se tornava mais montanhosa, enevoada e esbranquiçada. Surgiram então os famosos picos nevados; havia neve nos campos, ao redor da estrada e nos telhados das casas. Quando já havíamos subido muito, entramos numa fila de carros que embarcou em um trem: uma espécie de trem transportador de carros. Os vagões eram plataformas chatas, como as de um ferry-boat, com uma simples cobertura de aço por cima. O trem entrou num túnel sem iluminação no interior da montanha, que não parecia acabar nunca mais.
Do outro lado a paisagem era totalmente diferente, quase sem neve e com encostas vertiginosas para descer. Tínhamos entrado no cantão de Valais (Wallis), que corresponde ao vale do alto Rhône (Ródano). Ao sul ficam as montanhas que formam a fronteira da Itália; a leste, para onde rumamos, fica a nascente do rio Rhône, próxima à
nascente do Reno; a oeste, o lago de Genebra. A estrada era um luxo só, com longos trechos de túnel com janelas abertas numa das laterais, uma espécie de auto-estrada coberta. Erich, no seu bom português, brincava com o carro da frente, alemão, resmungando: "sai da frente, gringo!" Mas sem chance; o "gringo" ainda atrasou a nossa vida por uma porção de quilômetros na estrada estreita.
Um bocado acima da cidade de Brig, que fica no fundo do vale, chegamos subitamente à entrada do teleférico para Bettmeralp. Caía neve sobre nós! A primeira que testemunhei na vida. Trocamos rapidamente para roupas mais adequadas nos banheiros da estação e então subimos suspensos no bondinho várias centenas de metros, junto com um grupo de esquiadores que falava uma variante de alemão com sonoridade muito mais suave que o alemão padrão da Alemanha.
Em poucos minutos, estávamos na Vila Alpina dos Meus Sonhos. Imagine tudo o que você pode de bonito sobre uma vila alpina no inverno. Uma beleza tal que só se pode dar idéia por imagens e não por palavras. Nevava sem vento, e as casas de madeira, algumas certamente centenárias, porém todas impecavelmente mantidas e conservadas, estavam com mais de um metro de neve nos telhados. Nossos pés rangiam na parte mais dura e caminhável da rua, parecido com o que acontece na areia úmida de uma praia. Gente de roupas coloridas andando de esquis por toda parte, e o eventual trenó com um bebê embalado como um pacote, bracinhos retos para os lados num agasalho sem aberturas para mãos e pés. Hasler, o cachorrinho havanês de Tatá e Erich, pulava como um coelho, alucinado de alegria. Dei-me conta de que a neve tem inúmeras cores diferentes, não é "branca" como a gente pensa genericamente nos trópicos, e fiquei pensando se a máquina fotográfica teria condições de capturar tantas nuances de tons claros...
Ficamos hospedados na casa de inverno dos pais do Erich, bem no meio da vila. Graciosamente, eles nos receberam e deixaram a casa livre. A temperatura dentro da habitação, no andar de cima do sobrado, ficava sempre acima dos 20 graus; era possível dar uma escapada de alguns minutos para olhar a rua de cima da sacada, exposta ao clima exterior, sem ter que botar mais roupa. As camas eram do tipo embutido na parede; em um instante a sala de estar virou um dormitório confortável. O jantar, feito na própria casa, foi o mais "suíço" imaginável: raclette com uma enorme variedade de acompanhamentos. Cada um consumiu mais de meio quilo de queijo...
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