just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

12 maio 2011

rubem alves falando do meu pai

(trechinho do livro 'o velho que acordou menino')

o rubem conta que teve uma revelação com um de seus clientes quando era psicanalista: esse cliente, artista, tinha feito decoração de natal em shopping center pintando bosta de cavalo com tinta dourada, e as pessoas ficaram maravilhadas, querendo saber que técnica ele tinha usado pra produzir aqueles objetos tão leves, tão delicados. aí ele escreve:
'compreendi que isso é a arte da psicanálise: transformar bsta em ouro. pois essa era a verdadeira vocação do meu pai: alquimista. só que ele não usava tinta dourada para substanciar bosta em ouro. ele usava as palavras. usava as palavras com tal magia que ele mesmo acabava por se convencer. não queria ver ninguém triste. ele fantasiava e pronto: estava inventado. o problema é que a bosta dourada não dura muito. esfarela-se. volta a ser bosta...
(...)
queria ver todo mundo feliz. queria ver todo mundo feliz porque ele mesmo queria sentir-se feliz. falava felicidades. no seu mundo não havia lugar para dor. se a dor aparecia ele a transformava magicamente por meio das palavras. por isso eu me senti sempre órfão. não tinha com quem falar sobre as minhas dores. se eu trouxesse a ele minhas dores, meu pai não saberia acolhê-las. seria doloroso demais. para ele. (...) fui sempre sozinho.'

vi muito do meu pai nesse texto. meu pai tb gosta só das alegrias, e ainda bem que minha irmã e eu sempre tivemos a minha mãe com quem conversar sobre tudo, inclusive as nossas dores. com meu pai se conversa das vitórias, dos sucessos, e das banalidades, já aprendi. acho uma pena, porém. acho que o relacionamento (qualquer que seja ele) sofre quando a gente não pode compartilhar tudo o que a gente é. acho uma pena meu pai não querer ver tudo o que sou, tendo olhos apenas para as coisas boas. também acho uma pena que meu pai não deixe que ninguém chegue perto dele, porque é isso o que acontece quando ele não compartilha tudo o que é conosco: ele impõe, muito sem querer e sem perceber, acho eu, uma certa distãncia entre ele e as demais pessoas, todas elas. será que ele não se sente sozinho? será que ele consegue lidar de forma saudável com suas dores e decepções, escondendo todas elas? fico preocupada. amo meu pai, mas durante muito tempo (especialmente entre o final da minha infância e o começo da vida adulta) senti muita falta de uma proximidade maior entre nós. hoje acho que já 'me conformei' e o aceitei como ele é: alegre, querido, e distante. ainda assim, o melhor pai do mundo, já que é o *meu* pai, aquele que sempre me proporcionou tantas alegrias, passeios, oportunidades, e contentamento!