just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

27 agosto 2002

Ontem, chegando em casa, acendi um incenso de lírio no quarto. Fechei a porta, apaguei as luzes, abri as janelas e me sentei na cama, com as pernas cruzadas e as mãos sobre os joelhos, olhando para a noite lá fora, da qual só consigo ver a escuridão e as paredes do hospital vizinho. Com uma música gostosa vinda do rádio, consegui me abstrair dos barulhos lá de fora, me concentrando apenas nos meus próprios ruídos. Fui flutuando junto com a música, que me trouxe memórias da infância, de um dia de chuva com a minha mãe, que me ensinou a aproveitar um toró dançando na calçada com um sorriso enorme no rosto e uma sensação de liberdade incrível. Lembrei da vez em que voltamos pra casa com uma machadinha de pedra e um arco-e-flecha de bambu e sisal, feitos por índios. E de quando a mamis fez um bolo numa forminha de pão de queijo, pra gente fazer um 'chá' com as bonecas, que tinham mesa e cadeiras de papelão, também feitas pela criativa mãe que tenho. Lembrei dos discos que colocávamos lá em casa, quando arrastávamos o sofá e a mesinha da sala a fim de termos espaço pra dançar. E da vez em que meu pai comprou um pão com oito bicos (que a Rê e eu gostávamos mesmo era de comer todos os bicos dos pães) num domingo de manhã, na padaria. Daquela vez, como ele estava inspirado e tinha trazido também 'urélhas' (um doce conhecido como palmier, que meu pai teima em chamar de orelhas, que em catalão se pronuncia urélhas) pra casa, a Rê eu eu, de tão maravilhadas com as urélhas, acabamos nem comendo pão, apesar de termos ficado intrigadas com a possibilidade de um único pão ter oito bicos, e não apenas dois. E assim fui voltando no tempo, balançando os braços e o corpo ao compasso da música, vendo as luzes das janelas do hospital ao lado, me sentindo ao mesmo tempo boba e feliz com aquele momento. Às vezes me esqueço de como algo tão simples como música e incenso podem trazer tanta paz, tanta alegria, tantas memórias. Como algo tão pequeno pode fazer tão bem, bastando que paremos um pouco pra apreciar.