just like heaven

Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!

15 abril 2002

Minha primeira aula de meditação foi nesta sexta-feira que passou, e foi uma coisa bem diferente de tudo o que já vivi. Embora não dê muito pra descrever, queria falar sobre isso, e decidi escrever tudo, pra não esquecer. Primeiro, me sentei numa posição confortável que me permitisse ficar com as costas eretas. Daí, a meditação toda consistia na gente fechar os olhos e se concentrar em um símbolo que estaria entre as nossas sobrancelhas. Escolhi o sol, e fui vendo como ele brilhava a partir de mim. Ele começou amarelo, passou para branco, depois pra um azul bem clarinho, e depois estava amarelo de novo, que afinal de contas é a cor que o sol é, mediante nossos olhos. No começo, algumas coisas me incomodavam, como o vento forte do ventilador da sala e os pensamentos que iam e vinham, enquanto eu tentava ser o meu sol e nada mais. Daí a Francesca, que estava conduzindo a meditação, disse que os pensamentos deveriam passar por nós, e que deveriam ser vistos à distância, sem que travássemos maior contato com eles. Me imaginei, então, navegando no mar, onde o vento eram os pensamentos, que passavam depressa por mim. Eram imagens, que começaram a passar cada vez mais rapidamente, até que eu não tivesse condição nenhuma de identificar o que passava, sendo que tudo eram borrões. De uma única vez, consegui me livrar do incômodo do vento e dos pensamentos, e pude, finalmente, viver o meu solzinho, prestando atenção somente na luz que não parava nunca de sair da minha testa, bem na base do nariz. Por um tempão, isso foi tudo o que aconteceu, até que, de repente, ‘acordei’, me deparando com um medo incrível, pensando que a qualquer momento a meditação acabaria e eu seria chamada a mexer meus membros, com os quais já tinha perdido todo e qualquer contato. Percebi que não conseguiria me mexer, pois tudo o que eu sentia, e toda a parte do meu ser com a qual conseguia me comunicar eram meus olhos e meu próprio sol. Tudo passou-se numa fração de segundo. Decidi que de nada adiantava me preocupar com algo que ainda não tinha chegado (agradeci à minha mãe por ter me ensinado isso), e que quando fosse a hora de me mexer eu me preocuparia com o fato de não conseguir me conectar com meu corpo. Achei que a Francesca, toda serena e experiente em aulas de meditação, saberia o que fazer, mesmo que eu não soubesse, e relaxei, voltando para o meu solzinho, que agora era tudo o que eu tinha do meu eu. E assim se passou mais um tempo. Que achei ter durado pra sempre. Vi meu sol mudar de cor, de intensidade, mas continuei sempre navegando, num lugar que era cada vez mais escuro. Meu sol foi meu farol, iluminando o nada que se encontrava ao meu redor. Eu estava bem. E, de repente, não mais que de repente, senti que a música (a qual até então eu não tinha percebido) foi reduzida, em intensidade e volume, e perdi a concentração na minha luz. Devagar, fui parando de navegar, e meus pensamentos voltaram. No mesmo instante, senti tudo: o vento, o barulho do ventilador, o chão duro e frio, meus pés e minhas mãos quentes, uma perna adormecida, minhas costas ainda retas. Esperei até que a música acabasse, quando nos foi dito que deveríamos encerrar nossa meditação e abrir os olhos. Abri os meus, e percebi como eu havia sido boba, ao pensar que não conseguiria me mexer. Eu estava ali, afinal, e me mexer foi tão fácil como sempre. Nos esticamos, e esperei minha perna acordar novamente, dobrando-a e esticando-a, mexendo os pés vigorosamente, para acelerar a volta do fluxo sanguíneo. Saí da aula, que havia durado somente quinze minutos, completamente zen. Em paz. Na volta para casa, não consegui ligar o rádio, porque as músicas pareciam estar em descompasso comigo. Eu estava devagar, embora muito desperta. Cantei para mim mesma uma música do Madredeus, muito linda, que fala do mar, e que, como eu, era mais tranquila. Chegando em casa, adormeci e, no dia seguinte, tudo era igual, inclusive meu ritmo frenético. Fiquei com vontade de meditar mais. Agora, só sexta-feira.