Lembranças aleatórias da minha infância:
Meus primos se lambuzando com sorvete derretido, mamãe sendo picada por uma lacaia enquanto dormia, gosto e cheiro do cloro da piscina do vô, bisa fingindo tomar nosso suco (à base de flores de primavera esmagada), ortopé (tão bonitinho...), atari quando não podíamos nadar, nona sendo penteada com os cabelos muito brancos se transformando num coque imponente, pular elástico na escola, calor que nunca acaba, rê presa embaixo do armário onde estava tentando pegar uma meia, iaia nos dando balas que ficavam dentro de um boneco (o ninot), bóias de braço coloridas nos primos menores, tênis dos bubble gummers, rê sangrando ao cortar o joelho, acampamento com as bandeirantes, uma barata se debatendo junto ao meu corpo, todo mundo na carroceria da caminhonete do vô (cantando como se fôssemos personagens do filme ‘A Noviça Rebelde’, pastel de vento e garapa na feira, estudos em casa, passeios e águas no thermas, casa da Lazinha onde a bisa morava, cheiro de leite na casa de Bonifácio da tia Ana, sapato amarelo, vó caindo da escada, recortes infindáveis de revistas para passar o tempo, vó fazendo bolinhos de marido com canela e açúcar pra espantar a chuva, brincadeiras com barro que virava bolo de chocolate e mamadeiras para as bonecas, pai e mãe voltando de viagem felizes como nunca vi e com muitos presentinhos legais (foi nessa época que comecei a sentir que viajar deveria ser a melhor coisa do mundo), comer jabuticaba e pitanga do pé, subir até a caixa d’água da Nestlé, aprender que cenouras rabanetes ficam escondidos debaixo da terra (fica só um verdinho pra fora, e nem dá pra desconfiar que tem alguma coisa por baixo!), pular o muro pra ir na casa do Tatá, ver o vô Capella dormindo em meio a uma caixa depois de ter morrido, enxaquecas no ano novo e no carnaval e na páscoa e em dias de passear, dormir com o Totó, vomitar no carro do tio Rui e depois me divertir no zoológico, colocar o boné da Hyster do pai, esconder minhas coisas na casa da vó (pra que elas não desaparecessem como tudo costuma fazer por lá), correr dos meninos e depois correr atrás deles no meio do pátio da escola, presépio que a mãe fez pra eu levar à escola e que era o mais bonito da sala, guardar o dinheiro de três semanadas pra poder comprar língua de gato (eu já era louca por chocolate desde a mais tenra idade!), tristeza ao ver como eu era ruim com trabalhos manuais, livros que o pai trouxe uma vez ao chegar do trabalho, ir com o vô ao bar do Getúlio pra comer coxinha e amendoim japonês, ver a vó ficar de boca mole de tanto contar história para nós, a decepção da neve não ter gosto de nada e ser dura como pedra ao invés de fofinha como algodão, descoberta do sangue que sai de dentro da gente todo mês, blusa amarela de frente única que a mãe fez, comidas estranhas (pamonhas salgadas e peixe cru e salada de abacate e doce de tomate), andanças no parque com os amigos, Fê vestida de papai noel (parecendo uma bolinha vermelha!) no Natal em que o poste de luz virou árvore, colocar a culpa de qualquer coisa ruim no Fábio e no Diogo (que sempre foram duas pestinhas), chegar na casa do vô reformada e olhar pras estrelas depois de ter visto mais de 500 jujus no freezer (de groselha, de laranja, de coco-queimado... delícia!), passar algumas tardes treinando pular corda pra não fazer feio na escola, trocar presentes com a Rê através de um balde, brincar com os meninos no meio da rua, beliscões em quem se comportava mal, o pai trazendo presentes pra nós no dia do aniversário dele, a mãe da Helena fazendo calcinha virada pra nós, cartas e mais cartas recebidas e respondidas, tardes ensolaradas regadas a brigadeiro e coca-cola, ficar de saco cheio de ter que estudar em casa ao invés de ir à escola, saudades do Brasil e de tudo o que essa palavra passou a representar pra cada pessoa da minha família, figurinhas na saída do almoço de domingo, canelones e braç de gitano no natal na iaia, ano novo cheio de bêbados e inconvenientes (meu parentes!) na casa da vó, ver plunct plact zum no vídeo da tia Ná enquanto eu colocava as suas fantásticas botas de salto alto, aprender a andar e a saltar de cavalo, comer alfajores e torrones ao acabar as aulas, tentar achar o esconderijo dos presentes na nossa casa do Paraguai (o mais engraçado é termos revirado a casa durante dias e não acharmos nada, sendo que os presentes estavam ali!), fazer bicicross perto de casa (os meninos com suas bmx, e a rê e eu com nossas bicicletas de cestinha), esperar a Mari fazer tortillas com frijoles enquanto a mamis e a Teresa faziam bombons e pirulitos e bolos e outras guloseimas, brincadeiras com a casa da barbie, nossas camas com dossel. Não sei até quando vai a infância, mas tudo isso aconteceu antes dos meus dez anos. E ainda não sei porque às vezes fico tão nostálgica, lembrando de tudo... ... ... às vezes acho que é por um medo enorme de esquecer dessas coisas, e não lembrar mais de quem sou, por ter esquecido do que vivi. Nós somos o que lembramos. É nossa memória que nos faz ser quem somos. Eu acho.
<< Página inicial