Apenas mais um dia como todos os outros. Monótono. De férias num lugar totalmente desconhecido e superpopulado, onde o pai trabalhava e a mãe passava os dias em casa lendo. O ponto alto do dia, a saída de casa para o almoço, costumava ser péssimo – essa mania da mãe querer experimentar um restaurante novo a cada dia, comendo as estranhas coisas típicas regionais, era capaz de embrulhar o estômago de qualquer criança cujo sonho era um simples hambúrguer do MacDonald’s, antes mesmo de sair de casa. Um hambúrguer sem pimenta, por favor. Porque naquela cidade tudo vinha extremamente apimentado, mesmo que o cozinheiro jurasse que não havia nada de picante ali. Ela não achava os tacos ruins, desde que estivessem sem recheio. E os doces em geral eram muito bons, sendo que todo o resto era impossível de comer. A pior experiência de todas tinha sido o prato típico que leva ovos fritos por cima de uma panqueca, tudo regado generosamente com molho de chocolate... picante. Ovo frito com chocolate e muita pimenta? Exato. Por isso, o ponto alto do dia incluía decepções, o que tornava aquelas férias em que não se podia sair de casa sem a companhia dos pais uma das piores férias da vida, até que naquela noite algo fantástico aconteceu. Ela sonhou que os quadros das paredes do quarto estavam dançando, pra lá e pra cá, bem devagar... junto com a persiana! Atônita, percebeu que não era um sonho; se levantou e foi até a sala, onde uma imensa parede de vidro mostrava prédios inteiros balançando ao ritmo suave de alguma melodia inaudível. A coisa mais linda, aqueles objetos se movendo, sincronizados, como bailarinos. Do vigésimo segundo andar, ficou parada observando aquilo tudo, num crescendo intenso, absorta pelas imagens. Não teve tempo de acordar a irmã, que dormia no mesmo quarto que ela, e que perdeu todo o espetáculo. A dança foi se extinguindo, numa tristeza indescritível para quem nunca viu um balé daqueles, e ela foi até a geladeira colocar a mão no gelo, porque sabia que desta forma sempre conseguia distinguir sonhos de realidade. Ela não estava sonhando, então. Mas não soube explicar o que havia acontecido. Por que o mundo se mexera ao seu redor? Perplexa e com medo de estar delirando, foi dormir, e sonhou com tudo aquilo. No café da manhã ouviu na TV: três terremotos na Cidade do México aquela noite, todos abaixo de 5 na Escala Richter. Sorriu, porque não estava ficando louca, afinal. E foi correndo contar pra todo mundo que ela tinha acordado e visto tudo aquilo, embora o mundo não parecesse estar balançando sob seus pés. Até hoje não sabe descrever essa sensação de estar sobre terra firme, sendo que todo o resto se move, sem perceber que ela também tinha dançado a bela música...
just like heaven
Tudo parece ousado àquele que a nada se atreve, por isso... atreva-se!
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