Um dia ainda escreverei um texto inteiro sobre a arte da arrumar malas. Por enquanto, deixo este aqui, do Amarar, que tá bem bacana :-)
"As Malas e Nossa Maturidade
Há anos que tento o impossível: fazer a mala com estilo, eficiência e eficácia. Já nem penso em elegância, pois esse é o estágio supremo da perfeição na arte de preparação das malas. Sempre foi um martírio e o fracasso na empreitada representava um aborrecimento perturbante. Porque fazer as malas exige não só um alto grau de organização. É preciso também um pouco de paciência, um traquejo manual e, sobretudo, um senso acurado de importância das coisas. Ou seja, o fulano que faz bem a mala está pronto pra vida civil e todos seus discretos desafios. Pois a preparação da mala é, necessariamente, um ato de engajamento. Você precisa fazer escolhas a toda hora, renunciando às leviandades. Levo essa segunda camisa pólo ou deixo espaço pra camiseta branca da Hering? Levo a calça jeans ou ou só vou de social? E aquela meia de corrida? Vou precisar de 4 mesmo ou não vou correr sequer um dia e me afogar nos drinks do fim da tarde? Mais do que uma frescura estética, é quase um ato de estadista, ao admitir que certas atividades não serão cumpridas e não adianta levar o tênis de corrida, na expectativa do cumprimento da agenda esportiva pois, admita, ela não será cumprida. Ao menos naquela viagem.
Mas cada viagem é um diferente desafio. O fim de semana no campo requer um senso apurado de escolhas. Levar cinco camisas por estar na dúvida revela um alto grau de postergação do maleiro. O desafio inicial, portanto, é fazer um corte de itens básicos. Se passar esta etapa, é possível afirmar que este é um indivíduo pró-ativo e tende a tomar decisões incisivas. O tempo na escolha dos itens também revelará traços importantes de comportamento. Se mais de um minuto se passar entre as escolhas da camisa, há grandes chances de esse ser nunca virar CEO de alguma empresa. Se, porém, estiver em dúvidas de comportamento sexual, estará desculpado e até mesmo 3 minutos pras camisas será aceitável.
A mala na praia é a do tipo mais fácil. Aqui, mais do que 5 minutos na preparação revela sérios distúrbios de personalidade. É preciso dar descontos às mulheres, onde o cronômetro deve ser interrompido na parte da escolha dos cremes. De volta aos itens básicos, o cronômetro deve rodar sem perdão.
Viagens mais longas, daquelas do tipo 2 ou 3 semanas na Ásia estão entre as mais difícieis. O fulano não só precisará de todo senso apurado de escolhas, como também necessitará dos traquejos manuais. Mala desarrumada, ainda que entulhada com os ítens corretos, invalida toda pré-seleção de peças bem escolhidas. O fulano é bem prático, mas não tem poder de finalização, deixando o acabamento de lado. Há traços de engenheiro na personalidade.
Mas o pior de todas são as viagens longas, aquelas de um ano e de mudança de território. Essas equivalem ao vestibular para o estágio adulto. O fulano precisa não só separar tudo, prevendo mudanças climáticas e alterações de humor, como também tem que encaixar toda uma vida num saco com rodinhas. Contêiner não vale. Colocar tudo num caixotão e despachar por navio, embora ganhe pontos em praticidade, revela a desistência diante do desafio das escolhas e um apego quase religioso aos bens materiais. O indivíduo não consegue, sem um aperto no coração, se livrar de peças de jogo de botão soltas no fundo da gaveta. Manda empacotar tudo.
Não é à toa que malas são feitas com muito maior competência por mulheres. E não se caia na justificativa fácil de que "isso é coisa de mulher". Mentira. As moças levam a melhor porque são naturalmente precoces. Amadurecem mais rápido.
Quanto a mim, não tenho dúvidas. Quando combinar em três malas, muito bem dispostas, anos de moradia (os livros não contam), estarei um homem maduro.
Por enquanto, ainda preciso de quatro valises."
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